A Assimilação Cultural dos Negros Muçulmanos no Período Colonial Brasileiro

Durante o período colonial brasileiro, negros muçulmanos trazidos como escravizados enfrentaram a imposição de abandonar sua fé e práticas religiosas. Sob a pressão dos jesuítas, foram forçados a realizar o sinal da cruz e a serem batizados, num esforço para apagarem suas identidades religiosas e culturais. Contudo, esses indivíduos resistiram culturalmente, ressignificando suas tradições e criando práticas culturais únicas, adaptadas ao contexto brasileiro.

REVISTA MINARETE 25

AHMAD HASSAN SAFATLI

1/20/20252 min read

Durante o período colonial brasileiro, negros muçulmanos trazidos como escravizados enfrentaram a imposição de abandonar sua fé e práticas religiosas. Sob a pressão dos jesuítas, foram forçados a realizar o sinal da cruz e a serem batizados, num esforço para apagarem suas identidades religiosas e culturais. Contudo, esses indivíduos resistiram culturalmente, ressignificando suas tradições e criando práticas culturais únicas, adaptadas ao contexto brasileiro.

Um exemplo emblemático dessa ressignificação foi a adoção da Igreja do Senhor do Bonfim, em Salvador, Bahia, como espaço espiritual. Para esses escravizados, a igreja tornou-se simbolicamente associada à Caaba, em Meca, o local mais sagrado do Islã, consolidando-se como um novo centro de devoção e expressão religiosa.

Essa conexão resultou na criação de uma tradição marcante: a lavagem das escadarias da Igreja do Senhor do Bonfim, iniciada em 20 de ramadã de 1184 da Hégira islâmica, correspondente a 10 de janeiro de 1771 no calendário cristão. A data foi escolhida por sua forte ligação simbólica com a história islâmica, remetendo ao dia 20 de ramadã do 8º ano da Hégira, a data correspondia ao dia 10 de janeiro de 630 da EC, quando o profeta Muhammad (saas), liderando um exército de 12 mil guerreiros, reconquistou Meca.

Na ocasião, Meca, sob o domínio da tribo de Coraich, utilizava a Caaba como templo para práticas politeístas, adornada com estátuas de pedra. Após a retomada, o profeta Muhammad limpou o local, removendo todas as estátuas e lavando a Caaba por dentro e por fora, incluindo suas escadarias, simbolizando a purificação espiritual e a restauração do monoteísmo.

Inspirados por esse evento histórico, os negros muçulmanos no Brasil adaptaram o ritual à sua nova realidade, criando a lavagem das escadarias do Senhor do Bonfim. Inicialmente realizada em 1771, a prática evoluiu ao longo dos anos, ganhando novas nuances. A partir dessa data, a lavagem passou a ser feita nas quintas-feiras, pois, ao pôr do sol desse dia, inicia-se a sexta-feira, considerada sagrada no Islã como o dia de congregação e adoração a Deus. Esse ajuste reforça o vínculo espiritual com as tradições islâmicas, mesmo sob as condições adversas do cativeiro.

Hoje, a lavagem das escadarias do Senhor do Bonfim, feitas numa quinta-feira, após o dia de Reis, no mês de janeiro, é uma tradição que transcende barreiras religiosas, misturando elementos do Islã, da cultura africana e do Cristianismo. Ela simboliza não apenas a pureza e a renovação, mas também a resistência e a resiliência cultural dos negros escravizados. Mais do que um rito, é um testemunho vivo da força das culturas africanas na formação da identidade brasileira.