EFEITOS HEMATOLÓGICOS E BIOQUÍMICOS DO JEJUM DE RAMADÃ: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

O objetivo deste resumo é apresentar uma revisão bibliográfica de estudos anteriores sobre o tema, onde os benefícios no perfil hematológico e bioquímico do jejum intermitente, realizado por esta grande comunidade, são discutidos e esclarecidos.

REVISTA MINARETE 20

JÉSSICA CAMILE STONE MOREIRA , MARIANA PARRON PAIM , CRISTIANI FOLHARINI BORTOLATTO

2/21/20247 min read

1. INTRODUÇÃO

Ramadã é o mês mais sagrado e aguardado pela comunidade muçulmana em todo o mundo. A cada ano cerca de 1,8 bilhões de fiéis realizam este ritual durante 30 dias nos quais se comprometem a privar-se de água e alimentação desde o horário da Salat Al-Fajr (Oração do Amanhecer) até a Salat Al-Maghrib (Oração do Entardecer). É permitido realizar uma refeição cerca de 40 minutos antes do nascer do sol (Suhur), podendo alimentar-se somente após o entardecer (Iftar), onde uma vasta quantidade de alimento é consumida em comunidade (Al-Qran, 2:182).

Tal ritualística, porém, vem chamando atenção devido a seus benefícios não apenas espirituais, mas também pelos impactos benéficos na saúde do indivíduo, desde a melhora no perfil lipídico, pressão sanguínea, medidas antropométricas e a regulação da saciedade (Azizi, 2000; Al Hourani, 2009; Temizhan, 2004; Fakhrzadeh, 2003; Rahman, 2004).

O objetivo deste resumo é apresentar uma revisão bibliográfica de estudos anteriores sobre o tema, onde os benefícios no perfil hematológico e bioquímico do jejum intermitente, realizado por esta grande comunidade, são discutidos e esclarecidos.

2. METODOLOGIA

Foram pesquisados estudos de plataformas como Scielo, PubMed, Nature, jornais de Ciências Aplicadas, jornais de Medicina e de Nutrição. Palavras-chave como jejumjejum intermitente, intermitent fasting, ramadan, islamic fasting, fasting biochemical essay foram utilizadas. Foram selecionados artigos publicados nos últimos trinta anos de pesquisa. Artigos publicados antes de 1993 foram desprezados. Os dados obtidos dos artigos selecionados nesta revisão foram compilados e comparados, considerando o país de cada pesquisa realizada, os métodos aplicados e a área de interesse.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Azizi (2002) relata que o ácido úrico sérico em indivíduos saudáveis sofreu leve aumento normal e temporário, o que poderia ser explicado por uma diminuição na filtração glomerular e depuração de ácido úrico. Porém é ressaltado que em jejuns prolongados o ácido úrico tende a aumentar drasticamente. Atoum et. al. (2007) e Al Hourani et. al. (2009) demonstraram pouco ou nenhum aumento do ácido úrico, porém observaram perda de peso nos indivíduos. Tal observação teria por resposta a alta oxidação de ácidos graxos e consequente perda de gordura corporal no lugar de catabolismo celular e perda de massa magra, pois o jejum de Ramadan é de curta duração e considerado como sendo intermitente.

Quando analisada a mudança no perfil lipídico, Temizhan (2004) mostrou que, após o jejum, o colesterol total, LDL (lipoproteína de baixa densidade), VLDL (lipoproteína de densidade muito baixa) e os níveis de triglicerídeos diminuíram, porém os níveis de HDL (lipoproteína de alta densidade) não mudaram significativamente. Temizhan observou que o sexo feminino foi o grupo que melhor se beneficiou quanto a diminuição no perfil lipídico. A pesquisa de Asgary (2000) e Al Hourani (2009) apontam também para uma diminuição pouco significativa dos níveis séricos do HDL e para uma diminuição dos triglicerídeos séricos depois da metade do Ramadã, mais especificamente. De acordo com Hourani, tal mudança poderia ser justificada por mudanças na ingestão de gorduras na dieta e mudanças metabólicas durante a prática do jejum.

Em concordância com Fakhrzadeh (2003) e Rahman (2004), Al Hourani (2009) observou um aumento gradual do colesterol HDL, porém pouco significativo para um parâmetro de apenas um mês de jejum. Mesmo que tal mecanismo de aumento do HDL durante o jejum não seja totalmente esclarecido, a perda de peso em estudos populacionais pode corroborar para o aumento deste colesterol especificamente.

O indivíduo em jejum de Ramadan costuma ingerir uma média diária de 1.200kcal/dia e, consequentemente, perder em média 2kg de peso corporal (Sweiler, 1993). Bouhlel et. al. (2008) avaliaram o efeito do jejum do Ramadã na gordura corporal e descobriram que o jejum do Ramadan estava associado a uma redução da massa corporal e percentual de gordura corporal. Shehab et. al. (2012) determinaram o efeito do jejum durante o Ramadã no peso corporal entre indivíduos normais e saudáveis. Eles encontraram mudanças significativas e benéficas no peso corporal, cintura e circunferência no final do Ramadã. Trabelsi et al. (2011) avaliaram os efeitos do jejum do Ramadã na gordura corporal em homens fisicamente ativos durante e após o Ramadã. Eles descobriram que o peso corporal e o percentual de gordura corporal diminuíram em pessoas em jejum. Eles também concluíram que o jejum do Ramadan reduz o peso corporal e a porcentagem de gordura corporal.

Temizhan (1999) investigou os efeitos do jejum de ramadan em pacientes com doença coronariana, constatando que, durante a pesquisa, o número de eventos de doença coronariana foi significativamente menor no Ramadan quando em comparação às demais épocas do ano. Com isso, eles concluem que o jejum de Ramadan não aumenta os eventos de doença coronariana. Shehab (2012) determinou o efeito do jejum durante o Ramadan na pressão arterial entre indivíduos normais e saudáveis. O autor achou significativo e benéfico as mudanças na pressão arterial sistólica no final do Ramadan. A incidência de síndrome coronariana aguda, fibrilação, insuficiência cardíaca descompensada aguda, bem como acidente vascular cerebral é semelhante durante o mês do Ramadã, como em comparação com os outros meses sem jejum. Cansel (2014) pesquisou sobre as mudanças que a variabilidade da frequência cardíaca pode sofrer durante o jejum de ramadan, chegando à conclusão de que os batimentos cardíacos se tornam mais acentuados no jejum, e que o mesmo estimula a atividade parassimpática.

Faris et. al. (2012) ao realizar um estudo transversal relatou que o jejum intermitente diminui a inflamação, a promoção do câncer e aumenta a expectativa de vida. As citocinas pró-inflamatórias IL-1β, IL-6, fator de necrose tumoral α, o peso corporal e a porcentagem de gordura corporal foram significativamente menores durante o Ramadã em comparação ao início do período de jejum religioso. Essas descobertas mostram que o jejum do Ramadã atenua o estado inflamatório do corpo suprimindo a expressão da citocina pró-inflamatória diminuindo a gordura corporal. Os estudos sobre o jejum de ramadan e pacientes com câncer costumam ser escassos, pois dada as condições de jejum e a fragilidade de saúde do indivíduo nesse caso, o Livro Sagrado muçulmano recomenda que pacientes nestas condições sejam dispensados da prática. Nesse caso, o jejum praticado por pacientes com câncer passa a ser facultativo.(Surata Al-Baqra, 182-185).

4. CONCLUSÕES

O jejum de Ramadan demonstra efeitos significativos no perfil lipídico, melhora dos índices de marcadores inflamatórios, cânceres e doença coronariana, pressão sanguínea, regulação da saciedade e bem estar em geral. Embora muitos estudos demonstrem resultados discrepantes, deve ser levado em consideração os diferentes efeitos em populações com diferentes padrões alimentares quanto a regionalismo, alguns com tendência a mais ingestão de carboidratos e outros para frituras. Outro fator limitante da pesquisa no geral seria o número de participantes reduzido ou em condições variadas de saúde e socioeconômicas.

Para maior esclarecimento acerca do tema, uma abordagem multi étnica e de amplo espectro regional pode ser empregada, para que todas as diferenças entre gêneros, raças, atividades físicas, hábitos alimentares, padrões de sono e demais variáveis importantes possam ser consideradas. Sendo o islamismo uma das religiões que mais crescem no mundo, tais condições para um estudo mais abrangente se tornam cada vez mais possíveis.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

O Sagrado Alcorão - Al Quran, 2ª Surata Al Baqra (A Vaca), Ayat 182-185

AZIZI, F. Research in Islamic fasting and health. Annals of Saudi Medicine, Arábia Saudita, vol. 22, n. 3-4, p: 186-91, 2002.

ATOUM, M F, Al Hourani H M, Body composition, nutrient intake and physical activity patterns in young women during Ramadan, Singapore Medicine Journal, Singapura, vol. 48, n. 10, p. 907,  2007.
AL HOURANI, HM, Atoum MF, Akel S, Hijjawi N, Awawdeh S, Effects of Ramadan Fasting on Some Haematological and Biochemical Parameters, Jordan Journal of Biological Sciences, Jordânia, vol. 2, n. 3, p. 103-108, 2009
TEMIZHAN, A, Dönderici O, Ouz D, Demirbas B.Is there any effect of Ramadan fasting on acute coronary heart disease events? International Journey of Cardiology, Turquia, vol. 70, n. 2, p. 149-153, 1999.
ASGARY, S, Aghaei F, Naderi GA, Kelishadi R, Gharipour M, Azali S. Effects of Ramadan fasting on lipids peroxidation, serum lipoproteins and fasting blood sugar. Medical Journal of Islamic Academy of Sciences, Irã, vol. 13, n.1, p. 35-38, 2000.
FAKHRZADEH, H, Larijani B, Sanjari M, Baradar-Jalili R, Amini MR. Effect of Ramadan fasting on clinical and biochemical parameters in health adults. Annals of Saudi Medical, Arábia Saudita, vol. 23, n.3-4, p. 223-226, 2003.
RAHMAN, M, Rashid M, Basher S, Sultana S , Nomani M. Improved serum HDL cholesterol profile among Bangladishi male students during Ramadan fasting. 
EMHJ - Eastern Mediterranean Health Journal, Bangladesh, vol. 10, n. 1-2‎, p. 131-137, 2004.

SWEILEH, N, Schnitzler-A, Hunter GR, Davis B. Body composition and energy metabolism in resting and exercising Muslims during Ramadan fast. The Journal of Sports Medicine and Physical Fitness, Estados Unidos, vol. 32, n. 2, p.156-163, 1993.

BOUHLEL, E, Denguezli M, Zaouali M, Tabka Z, Shephard RJ. Ramadan fastings effect on plasma leptin, adiponectin concentrations, and body composition in trained young men. International Journey Sport, Nutrition and Exercise Metabolism, Estados Unidos, vol. 18, n. 6, p. 17-27, 2008.

SHEHAB, A, Abdulle A, El Issa A, Al Suwaidi, J ,Nagelkerke N. Favorable changes in lipid profile: the effects of fasting after Ramadan. PLoS One, San Francisco, California; 2012. Acessado em 15 mar. 2023. Disponível em https://doi.org/10.1371/journal.pone.0047615.

TRABELSI, K, El Abed K, Trepanowski JF, Stannard SR, Ghlissi Z, Ghozzi H. Effects of Ramadan fasting on biochemical and anthropometric parameters in physically active men. Asian Journal of Sports Medicine, Irã, vol. 2, n. 3, p. 134-144, 2011.

CANSEL, M, Tasolar H, Yagmur J, Ermis N, Açikgöz N, Eyyüpkoca F, et al. The effects of Ramadan fasting on heart rate variability in healthy individuals: a prospective study. Anadolu Kardiyol Derg, Turquia, vol. 14, n.1, p. 413-416, 2014.

FARIS, MA, Kacimi S, Al-Kurd RA, Fararjeh MA, Bustanji YK, Mohammad MK, Salem ML. Intermittent fasting during Ramadan attenuates pro-inflammatory cytokines and immune cells in healthy subjects. Nutrition Research, Jordânia, vol. 32, n.12, p. 947-955, 2012.