Escravidão no Islam: Escravos e Escravizadores

REVISTA MINARETE 25

Alexandre Moura

2/5/20256 min read

A Perspectiva Muçulmana sobre a Escravidão: Uma Análise

O tema da escravidão pode ser observado sob diferentes pontos de vista e, consequentemente, sob vários entendimentos. Neste breve texto, é feita uma análise sob a perspectiva muçulmana do escravagismo.

A escravidão é uma prática muito antiga e ancestral às religiões conhecidas. "Na verdade, o sistema escravagista começou pela escravização dos prisioneiros de guerra que a tribo costumava amealhar em suas incursões (ataques)." A princípio, estes prisioneiros eram mortos, pois não viam vantagem em preservá-los e alimentá-los. No entanto, à medida que a produção evoluiu, a preservação e a escravidão passaram a ser do interesse da tribo, já que o que produziam era mais do que consumiam. Assim, os prisioneiros de guerra foram transformados em escravos, dando origem a uma nova classe social: a dos senhores e a dos escravos.

A prática do escravagismo é contemporânea à existência humana, e sua efetivação tem vários fatores intrínsecos. `Al-Lama Tabatabai` nos dá três fatores muito recorrentes neste tipo de prática:

- A guerra: O vencedor podia fazer o que quisesse com o inimigo derrotado, podendo condenar à morte os soldados capturados ou mantê-los sob seu jugo.

- O domínio: Um chefe ou governante tinha a liberdade de escravizar qualquer um que estivesse sob seu comando.

- Proteção: Um pai ou avô tinha autoridade absoluta sobre sua descendência, podendo vender ou emprestar livremente conforme sua vontade ou interesses.

Historicamente, as raízes da escravidão são visíveis em todas as nações e épocas, incluindo judeus, gregos, romanos e germânicos da antiguidade, que praticaram tanto a escravidão doméstica como a estatal. Na Pérsia, o palácio do imperador tinha doze mil escravas, e na Grécia, o número de escravos superava em muito o número de homens livres.

Embora o escravismo tenha surgido na era pré-histórica da humanidade, pode-se afirmar que este comércio alcançou seu ápice por meio das nações cristãs da Europa e da América, que, como era de sua natureza, converteram a escravidão em um comércio corrente e começaram a capturar escravos em grandes quantidades.

Antes de descrevemos o nefário comércio de escravos iniciado pelos portugueses, espanhóis e outras potências marítimas do Ocidente cristão em suas colônias recém-adquiridas, é importante perguntar: o cristianismo, como sistema e como credo, fez algo para aliviar o destino daqueles escravos? Amir Ali escreve sobre este tema:

“A Igreja Cristã encontrou no escravismo uma instituição reconhecida pelo império; adotou o sistema sem fazer o menor esforço no sentido de mitigar seu caráter nefasto, não prometeu sua abolição gradual, nem melhorou ou ao menos suavizou a condição dos escravos. Sob a lei civil, os escravos eram simples apetrechos, assim foram considerados sob domínio da cristandade. Os escravos, sejam nativos ou forâneos, adquiridos em guerras ou comprados, eram considerados simplesmente apetrechos; seus amos tinham poder de vida e morte sobre suas existências, o cristianismo não pôde abolir nem aliviar os males do escravismo.”

Will Durant descreve a posição da Igreja em relação ao escravismo da seguinte forma: “Nem a Igreja Ortodoxa nem a Igreja Romana condenaram a escravidão. Os bárbaros, igualmente, assumiram a instituição da escravidão como natural e inviolável; as leis pagãs condenavam a escravidão de qualquer mulher livre que se casasse com um escravo; as leis de Constantino ordenavam que a mulher fosse executada, e o escravo, queimado vivo. O imperador Graciano decretou que um escravo que acusasse o seu amo de qualquer ofensa, exceto a traição ao Estado, deveria ser queimado vivo sem ser levado a juízo.”

A única solução prescrita pelo cristianismo em relação ao escravismo é expressa na carta de São Paulo a um certo Filemon, devolvendo-lhe o seu escravo de nome Onesimus com a recomendação de tratá-lo bem, nada além disso. É interessante observar que a palavra “escravo”, do original hebraico, foi trocada pela palavra “servo” na versão autorizada da Bíblia, e mais adiante, novamente a palavra original foi trocada por “criado de confiança” na versão Standard Revised, por que, segundo se diz nos comentários da Bíblia concisa, esta palavra (escravo) deve ser evitada devido ao que está associada.

Estes dois breves textos podem nos oferecer um vislumbre sobre a postura da cristandade em relação ao escravismo. A escravidão e sua problemática feedback refletem as questões sociais, morais e éticas que a humanidade enfrenta ao longo da história, e devem ser analisadas considerando suas implicações e consequências nas sociedades contemporâneas.

O Islã Ataca a Escravidão

Na época da Jahiliyyah, os árabes não ficavam atrás de seus vizinhos no que diz respeito ao escravagismo. Na Península do Hijaz, a vida humana tinha pouco valor. "A escravidão afrontava o Islã tanto quanto a idolatria, porém, enquanto a idolatria tinha suas bases fixadas em um espiritualismo irracional que podia ser combatido com a razão, o escravagismo tinha suas raízes no comércio, na agricultura e, consequentemente, na estrutura social. Assim, a razão, neste caso, tornava-se um instrumento frágil para combater um inimigo tão ardiloso que lidava com toda a estrutura social." — Al-Lâmah Sayyed Said Ajtar Rizvi.

Fica então a pergunta: como o Islã pode interagir de forma construtiva com a questão do escravagismo? A forma construtiva neste contexto não é tentar "abafar" a questão, mas sim enfrentar o problema de maneira que mostre que o maior milagre do Islã é a realização de sua ação política.

A força é capaz de submeter, mas muitas vezes gera hostilidade. Geralmente, essa hostilidade, sendo forte demais, pode transformar uma causa justa em injustiça, retirando assim sua legitimidade. A guerra do Islã contra o escravismo focou em mudar a mentalidade das pessoas e suas atitudes como um todo. De forma que, após a emancipação, os escravos se tornavam membros da sociedade sem a necessidade de passeatas, greves, desobediência civil ou enfrentamentos raciais. O Islã obteve êxito neste sentido sem o derramamento de sangue ou outro tipo de violência.

O Islã estabeleceu regras rigorosas quanto à posse de escravos: “Nas leis islâmicas, a posse de escravos estava condicionada a uma guerra legítima que tivesse sido desencadeada em prol da autodefesa (da Ummah), contra inimigos idólatras, e era permitida para servir de garantia à preservação da vida dos próprios cativos. Muhammad (S.A.A.S) encontrou este costume entre os árabes pagãos, e o que fez foi minimizar o mal, estabelecendo regras claras e rígidas. Se não fosse pela malícia de seus defensores, a escravidão como uma instituição social haveria deixado de existir à medida que terminavam as guerras nas quais a Ummah se viu envolvida no seu começo.” — Amir Ali.

A postura da Ummah na época do Profeta Muhammad (S.A.A.S) era de total oposição à mentalidade escravista. Tanto a compra quanto a venda de escravos eram desconhecidas no período dos Califas al-Rashidun, sem qualquer registro comercial referente a transações envolvendo atividades escravistas. No entanto, com a chegada ao poder dos Omíadas, ocorreram mudanças no âmago dos ensinamentos muçulmanos e no espírito do Islã. Mu'awiah foi o primeiro governante “muçulmano” a introduzir no mundo islâmico a prática de adquirir escravos(as) por meio de compra e a adotar o costume bizantino de proteger suas mulheres com eunucos.

É evidente em várias ayats (versículos) do Alcorão que a emancipação de escravos é tida como expiação para um grande número de pecados. Embora pudesse ser alegado que ao prescrever a emancipação de escravos como forma de expiação, o Islã concebia a instituição da escravidão como algo legítimo, isso não é bem assim. Para cada situação em que a emancipação de escravos é prescrita no Alcorão como forma de penitência, também se prescrevia uma alternativa, o que indica uma disposição do Islã em plantar sementes que germinariam a longo prazo como uma mudança de consciência nas pessoas.

O Islã também declarou que qualquer escrava que engravidasse de seu amo não mais poderia ser vendida e que o filho nascido teria o status do pai. Ao morrer o amo que a engravidou, a escrava se tornaria uma mulher livre. Aos escravos, lhes era concedido o direito de pagar (comprar) a própria liberdade mediante uma quantia pré-determinada ou um período de trabalho pré-acordado (o termo legal para isto é Mukatabah).

Mukatabah (realização de contrato) é um dos grandes divisores ideológicos do Islã no que diz respeito ao escravismo, diferenciando-o de outras religiões e códigos sociais. A palavra "Kitab" no versículo refere-se ao contrato escrito entre o escravo e o escravista. O fator relevante em Mukatabah é que, quando o escravo desejava firmar o contrato, seu amo não podia recusar. Na ayat citada anteriormente, Allah (S.W.T) tornou obrigatório aos muçulmanos colaborar com a emancipação dos escravos, sendo inclusive um fator de observância aos amos averiguar se o escravo, ao ser libertado, poderia se auto-gestionar, ou seja, ser capaz de se tornar um membro produtivo da sociedade.

Além disso, ficou estipulado pelo Profeta Muhammad (S.A.A.S) que os escravos que buscassem emancipação deveriam ser auxiliados com os fundos do Bayt al-Amal (Tesouro Público). O Alcorão Majid reconhece a emancipação dos escravos como um dos gastos halal do dinheiro da caridade (Alcorão Majid 9:60, 2:177).

Texto: Alexandre Moura