Jihadistas do paraíso: Maldivas o lado sombrio além das belas praias
As Ilhas Maldivas são frequentemente associadas à imagem de um paraíso na Terra. Conhecidas mundialmente por suas águas cristalinas, recifes de corais e resorts luxuosos, atraem mergulhadores e turistas em busca de refúgio e beleza natural. No entanto, além desse cenário idílico, há uma realidade mais complexa que raramente chega ao conhecimento público.
REVISTA MINARETE 24
Centro Cultural Imam Hussein
12/1/20244 min read
As Ilhas Maldivas são conhecidas mundialmente como um destino paradisíaco, com suas águas cristalinas, recifes de corais exuberantes e resorts luxuosos que atraem turistas em busca de tranquilidade e beleza natural. Contudo, por trás dessa imagem idílica, existe uma realidade complexa e desafiadora que afeta diretamente a vida de seus habitantes.
A Capital Superlotada
Apesar de serem formadas por um arquipélago de 1.196 ilhas, das quais apenas 203 são habitadas, a vida nas Maldivas gira em torno de sua capital, Malé. Com pouco mais de 6 km², Malé é uma das cidades mais densamente povoadas do mundo. O espaço limitado e a crescente população resultam em moradias precárias, superlotação e falta de infraestrutura básica. Famílias numerosas frequentemente dividem pequenos espaços com condições sanitárias inadequadas e acesso limitado a eletricidade.
A CAPITAL: Malé é uma das cidades mais densamente povoadas do mundo. Parece inúmeras outras cidades; Mas mal se estende por três quilômetros quadrados para abrigar seus 130.000 residentes registrados. Sua população real é provavelmente mais do que o dobro disso. Em Malé, cada centímetro é habitado. Foto: Francesca Borri.
Desafios Econômicos e Sociais
A economia das Maldivas, dependente do turismo, apresenta profundas desigualdades. Embora o salário médio seja de cerca de 500 dólares por mês, o custo de vida, especialmente na capital, é exorbitante. O aluguel de uma casa pode facilmente exceder o triplo da renda mensal de uma família média, obrigando muitos a viver em condições insalubres.
Além disso, os jovens enfrentam dificuldades ainda maiores, incluindo altos índices de desemprego, vício em drogas e a influência de gangues locais. Cerca de 50% dos jovens maldivanos estão envolvidos com substâncias ilícitas, como heroína, que é mais barata e acessível que o álcool, cuja venda é proibida para muçulmanos no país.
A Influência do Wahabismo
O Islã desempenha um papel central na cultura das Maldivas, mas a forma como é praticado tem sido cada vez mais influenciada pelo wahabismo, um ramo conservador e rígido do islamismo amplamente financiado pela Arábia Saudita. Essa ideologia, considerada por muitos como o "pai ideológico" do Estado Islâmico, promove uma visão que muitas vezes contrasta com as tradições locais. Em vilarejos como Himandhoo, por exemplo, a música é proibida, sendo considerada contrária aos ensinamentos islâmicos, mesmo que o tambor, um instrumento típico maldivano, ainda esteja representado na nota de 10 rufiyaa.
A disseminação do wahabismo só foi possível graças ao financiamento bilionário da Arábia Saudita, que constrói escolas, hospitais, mesquitas e outras infraestruturas. Essa ajuda financeira oferece uma ilusão de propósito para uma geração jovem que se sente perdida e sem oportunidades. Como bem ilustrado por um morador local, "quando você é livre e pode viver uma vida plena, não apenas a vida de um garçom ou de um servo, então o seu Islã também é livre".
Uma Transformação Religiosa e Cultural
Historicamente, o Islã não é a religião original das Maldivas. Antes de sua introdução, o arquipélago seguia o budismo, como evidenciado em estruturas antigas que, posteriormente, foram convertidas em mesquitas. Um exemplo marcante são as mesquitas cujas orientações foram ajustadas com ladrilhos no piso para apontar na direção de Meca. No entanto, a transição não foi pacífica: em 2012, o Museu Nacional foi atacado, e muitas estátuas budistas históricas foram destruídas, apagando partes importantes da memória cultural do país.
Hoje, o Islã nas Maldivas é profundamente influenciado pela Arábia Saudita, especialmente por meio do wahabismo, um ramo conservador e rígido da religião. Essa doutrina, financiada com bilhões de dólares em infraestrutura, escolas e mesquitas, moldou a visão religiosa do país, transformando práticas locais e impondo costumes que muitas vezes contrastam com as tradições maldivanas. Um exemplo disso é o uso generalizado do niqab entre as mulheres, algo relativamente novo na cultura local.
A Influência Política e o Crescimento do Extremismo
A disseminação do wahabismo nas Maldivas também está ligada a mudanças políticas e à repressão de vozes contrárias. Após 1967, muitos maldivanos que estudaram na Arábia Saudita retornaram com ideias que desafiavam o monopólio ideológico do governo. Durante o regime de Maumoon Abdul Gayoom, esses indivíduos foram perseguidos, presos e, em alguns casos, assassinados, tornando-se mártires para os opositores do regime.
Mais recentemente, o país viu um aumento significativo de maldivanos se juntando a movimentos extremistas no exterior, particularmente na Síria. Apesar das mortes dos primeiros combatentes maldivanos na guerra em 2014, o governo evitou reconhecer o problema, atribuindo as ações individuais a escolhas pessoais. Essa postura reflete a ambiguidade do Estado, que por vezes compartilha ideias alinhadas ao conservadorismo religioso predominante.
Uma Juventude em Busca de Significado
A juventude nas Maldivas enfrenta um dilema único: entre a falta de oportunidades educacionais e profissionais no país e as influências ideológicas externas, muitos jovens se sentem perdidos. Como descrito por um ativista local, o ambiente não favorece a educação. Enquanto turistas desfrutam de ilhas inteiras, os jovens maldivanos não têm sequer um espaço tranquilo para estudar. Isso, combinado com o desespero econômico, leva muitos a escolherem caminhos radicais, seja integrando gangues locais ou buscando propósitos em conflitos no exterior.
O envolvimento com gangues é outro reflexo desse vazio. Algumas gangues, simbolicamente, já carregam nomes de lugares associados a conflitos, como Bósnia, e outras podem adotar referências a locais como Aleppo no futuro. Para muitos, a escolha de se juntar a esses grupos ou de partir para a "jihad" não é simplesmente sobre extremismo, mas sobre encontrar propósito em meio ao caos.
Reflexão Final
As Maldivas são um país de contrastes extremos. Por um lado, um destino de luxo para turistas; por outro, uma nação enfrentando desafios sociais, econômicos e culturais intensos. O Islã, que substituiu o budismo no arquipélago, foi moldado por influências externas que, muitas vezes, estão desconectadas da cultura local.
Centro Cultural Imam Hussein - 2024